ENTREVISTA
Nome: Carlos Alberto Libânio Christo
Nascimento: 25/08/1944 – BH- MG
Mora em São Paulo.
Livro que marcou sua adolescência:
Dom Quixote, de Cervantes.
O romancista é um humanista
Frei Betto desde cedo manifestou sua vocação intelectual e religiosa, e um grande amor pelos estudos e pela escrita. Em 1965, entrou para o Convento dos Dominicanos. Antes disso, já havia se ligado à juventude Estudantil Católica (JEC), um movimento de jovens que desafiavam a ditadura militar. Sua opção preferencial pelos pobres — reflexo da Teologia da Libertação, doutrina da Igreja Católica que surgiu na década de 1960 e da qual é um dos principais expoentes brasileiros — aparece em todo seu trabalho.
Em 1968, em plena ditadura, Frei Betto entrou para a clandestinidade decidido a enfrentar o sistema. Ficou preso de 1969 a 1973. Foi a partir de um livro publicado nessa época — Cartas da prisão — que ganhou renome internacional. Desde então, sua obra tem se dedicado aos temas da fé e da política. Entre 2003 e 2004, foi assessor especial do presidente Luís Inácio Lula da Silva. Nesta entrevista, ele deixa a política um pouco de lado, e fala principalmente de sua carreira de escritor.
Editora Ática:Para você, o que é escrever?
Frei Betto:Escrever, para mim, é tão importante quanto respirar. Não posso ficar sem escrever. E digo mais: ainda que me prendessem, me condenassem à prisão perpétua, se me deixassem escrever eu seria uma pessoa feliz.
E.A.Seus primeiros livros são de depoimento ou teoria. Como foi a passagem para a ficção?
F.B. Muitos são livros de caráter testemunhal, a partir de minha prática pastoral-social. Eu tenho, por exemplo, quatro livros sobre a prisão. Fiquei quatro anos preso. Tenho toda uma literatura pastoral, voltada para as Comunidades Eclesiais de Base. Mas foi crescendo em mim uma grande fome de fazer ficção. A magia da ficção me seduz. No entanto, acho muito mais difícil escrever ficção. Minha primeira experiência foi o livro de contos O aquário negro. Posteriormente fiz O dia de Ângelo, que considero mais uma novela do que um romance. Alucinado som de tuba é um romance, mais do que uma novela, mas ele se destina a um público mais específico, que é o público jovem. Isso, aliás, foi uma coisa que me deu muito prazer. Para escrever Alucinado som de tuba, tive de dialogar com crianças de rua tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro.
E.A Como foi sua aproximação com a palavra escrita?
F.B. Meu pai foi cronista do jornal Estado de Minas, minha mãe escreveu cinco livros sobre culinária, um dos quais fizemos juntos. Essa influência familiar já me predispôs a lidar com a palavra escrita. Quando estava no segundo ano primário, em Belo Horizonte, eu fiquei impactado pois minha professora, dona Dercy Passos, entrou em classe com um maço de redações. Comentando-as, disse à turma: “Vocês deviam fazer como o Carlos Alberto, que redige suas próprias composições, em vez de pedirem que seus pais o façam”. Isso me tocou profundamente. Passados uns anos, quando eu estava na primeira série do ginásio (equivalente hoje à quinta série do ensino fundamental), meu professor de Português, Irmão Boaventura Maria, me esperou na porta da sala e disse: “Betto, se quiser, você será um escritor”. Esses dois incentivos foram marcantes. A partir daí descobri que tinha uma necessidade intrínseca de escrever. E passei a escrever muito, sem publicar.
Recebi propostas para escrever livros aos 20 anos, mas naquela época eu estava envolvido com outras coisas. Quando eu fui preso, em 1969, comecei a desenvolver uma correspondência como forma de contato com o mundo exterior e também de denúncia, não só do que acontecia na prisão mas também de como é a experiência carcerária para o ser humano, para o religioso, para uma pessoa que tem fé.
E.A Essa correspondência constituiu seu primeiro livro?
F.B. É. Essa correspondência foi reunida por um grupo de amigos e publicada pela primeira vez na Itália, em 1971. Eu tinha 27 anos e ainda estava preso, saí em 1973. O livro (Cortas da prisão) saiu no Brasil em lg74evirou um best-seller. A partir de então, fiquei muito motivado a escrever livros, abandonando o jornalismo.
E.A Sua ficção está profundamente vinculada com suas idéias religiosas e sociais? ]
F.B Eu diria o seguinte: minha pretensão é que eu emita cada vez menos qualquer mensagem, a não ser criando uma obra profundamente estética. Ou seja, eu não quero lidar com a razão do leitor, quero lidar com a emoção. Embora sabendo que a arte tem uma função social, não quero fazer uma literatura de esquerda, quero fazer uma literatura bela. Agora, é evidente que eu passo no meu texto o meu humanismo, isso é inevitável e eu diria positivo. Todo romancista é um humanista.
E.A Em Alucinado som de tuba, nota-se também um profundo cuidado com o estilo...
F.B É verdade. Fui muito cuidadoso nesse livro, até porque estabeleci um diálogo com outras pessoas, com os editores, que me ajudaram a melhorá-lo literariamente. Isso foi uma coisa que fez crescer o texto em termos de linguagem.
E.A Como é sua relação com o público jovem, por que escrever para ele?
F.B Tenho muita empatia com os jovens, tenho veneração pelo jovem. Eles vão adiante, quebram esquemas, inovam, questionam os nossos costumes e as nossas idéias. Sempre trabalhei com eles. O diálogo com os jovens me dá muita satisfação, enquanto o diálogo com as pessoas mais velhas, às vezes, me irrita. Os mais velhos são muito cabeça, pouco coração.
E.A E você teria alguma coisa especial a dizer para esse púbico jovem?
F.B Eu diria que eles têm de se dotar de óculos para ler criticamente a realidade brasileira. Minha literatura tem a pretensão de colaborar nesse sentido, para que eles não sejam enganados, seduzidos pelo consumismo da nossa sociedade. É preciso ajudá-los a livrar-se das telinhas eletrônica multicoloridas que maquiam realidade.
Fonte: Betto, Frei,1944.
Alucinado som de tuba/Frei Betto,-21ª ed.-São Paulo: Ática,2006
120p.:il. (Sinal aberto)
terça-feira, 10 de novembro de 2009
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